Monday, March 12, 2007

Vazios

- Boa tarde, Alice.
- Boa tarde, Rogério.
Mantiveram-se os dois em pé, ao lado da porta, um olhando em direção à saída e o outro em direção à entrada.
- Disseram-me que o quadro está pronto, então, eu vim buscá-lo. – Pausa para o constrangimento e recomeço da atitude cínica – Lá em casa já temos vazios demais, quero logo pendurá-lo na parede.
- Quem lhe disse, Alice, que o quadro está pronto? – Rogério era incapaz de conter sua ironia – Ainda não me decidi se que o quadro está acabado.
- Ah, então me perdoe. Posso aguardar mais alguns dias.
- Mais alguns dias? Apenas? Por que não aguardaria mais alguns anos?
Por falta de respostas, Alice deixou fluirem essas palavras:
- Oras, mas... Pensei que tivéssemos combinado um prazo para que terminasse o quadro que eu encomendei e esse prazo era de menos de seis meses.
- Não me refiro aos acordos. Estou lhe perguntando por que não poderia esperar mais alguns anos para preencher o seu vazio.
Rogério foi até a mesa do escritório pegar o maço de cigarros. Demorou instantes até encontrar o isqueiro e, tragando o Malboro vermelho, dirigiu-se até Alice:
- Ainda não encontrou coragem para me responder?
- Desculpe, senhor. Não posso entender aonde está querendo chegar.
- O desenho da pintura que a senhorita encomendou está pronto, assim como a tinta e as cores todas em seus devidos lugares. Entretanto, não devo entregá-lo já.
- Eu trouxe o dinheiro! Sou honesta!
- Honestidade nenhuma compra coragem para preencher o vazio.

2 Comments:

Blogger Sil S. said...

Que bonito, Dani. Parabéns. (Não estou sendo sarcástica).

Saturday, April 07, 2007  
Blogger Sarracenia purpurea said...

Muito bem, aí está um conto com uma boa moral! :)
Beijinho

Friday, June 01, 2007  

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