Tuesday, February 28, 2006

Entrelinhas

- O que tem aí dentro?
- Dentro de quê?
- De você.
- Dentro de mim. Por que isso te interessa? O que tem em mim, oras, sei lá eu.
- Eu me interesso por você. Eu me importo.

Silêncio.

- Diga logo. Eu sei que há infinitas informações e sempre há motivos cheios de farpas para esconder o que se tem por dentro.
- Eu sou normal, um cara comum. Isso. Sou um cara comum, uma espécime falha como todas as outras.
- Tá vendo, você não é comum.
- Por que eu te interesso?
- Não sei. Deveria saber?
- E não deveria?
- Às vezes. Às vezes eu me interesso porque sinto as razões do meu interesse sem conseguir identificá-las.
- Não entendi.
- Não entenda. O que você guarda? Conte-me. Infiltrado nessa austeridade, controle, emoção entecipada, doçura sábia, medo arregalado, discrição rarefeita e intensamente penetrante... Conta.
- Eu não sei.
- Sabe sim, porque confia nisso. Confia tanto a ponto de isso te bastar. Isso é suficiente e te permite lamber da vida só os sabores mais fortes.
- Não é nada disso.

Silêncio.

- Eu também me interesso por você.
- Ah, é?
- É. Só que você me confunde.
- Não gosta disso?
- Talvez.
- Eu não quero te confundir, eu quero...
- Quer o que?
- Não sei. Alguma coisa eu quero.
- Mas não sabe o quê...

Suspiros.
Silêncio.

- Fale-me, afinal, o que quer de mim.
- Ainda não sei. E eu, de que jeito você me quer?

Silêncio.

- Naquele dia que eu te encontrei caminhando na Santos, você estava bonito. Estava bonito porque estava mais misterioso do que nunca. No seu olhar eu vi a mesma tática que eu uso, de deixar o outro te investigar enquanto controladamente relaxa as pistas de sensações que não podem ser reveladas prematuramente. Estava tão mergulhado em si mesmo, milimetricamente em sincronia com as suas vontades firmes e com a sua postura diante das suas dúvidas mais íntimas. Estava belo.
- Você gostou, então?
- Você estava bonito, não disse que gostei. Não decidi se gostei. Fiquei delicadamente incomodada.
- Nós conversamos, nós rimos, eu me despedi de você naturalmente.
- Não.
- Sim. Eu fui até o café com você, depois, porque eu gosto da sua companhia.
- Dessa parte eu sei.
- E de qual parte você não sabe?

Respiração controlada.

- Eu não sei da parte verdadeira, da parte que a minha paciência não dá conta de aguardar.
- Não entendo.
- Eu entendo e você entende. Sabemos disso.

Silêncio.

- Eu te descubro e você me descobre e a gente percebe o que só a gente percebe.
- E a gente não sabe o que faz.
- Mas vai fazendo devagarinho...
- Porque existem os...
- Existe o que?

Silêncio.

- Conta. Conta pra mim o que tem aí dentro.
- Nada. Já disse.
- Tem sim. Porque o que tem aí dentro me faz sorrir. Eu preciso saber o que tem aí, mesmo.
- Conta também.
- Aqui tem vontade de pular de pára-quedas apostando em caça-níquel pra extrapolar a adrenalina e chamar a alegria pra perto.
- Eu te acho tão bonita.
- Conta o que você quer, vai...

3 Comments:

Blogger M.S. said...

Tem uma amiga minha que começou assim, transcrevendo diálogos pro blog. O nome dela é Roberta Close.

Friday, March 03, 2006  
Blogger F. Vives said...

Preciso estabelecer diálogos assim. ô se preciso.

Monday, March 13, 2006  
Anonymous Anonymous said...

pelamordediós! né, Vives??!! adorei! hahahahahaha

Tuesday, March 14, 2006  

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