Monday, April 03, 2006

Amor e música

- Ouvir Wagner me confunde, nunca sei se ele foi inspirado pela vida ou pela morte.

- Ele faz exaltações, tristes exaltações que pela rápida dança dos sons se tornam mais intensas do que o permitido para que não se caia uma lágrima.

- Às vezes consigo vizualizar as cenas das pessoas que o abandonaram ou que o fizeram sofrer. Vejo também que a expectativa e o suspense são constantes.

- Wagner devia amar em silêncio, na maioria das vezes. Só um amor muito forte e guardado com discrição e alimentado com muita esperança e admiração oferece emoção suficiente para que sejam criados sons tônicos, pontuais e infinitos.

- Amor e música...

- Queijo e goiabada... Ah, desculpe pela comparação indigna!

- (Sorriso) Eles combinam, sim.

- A música é invisível, apesar das cores e formas que sugere, assim como os sentimentos dos mais amantes mais leais e duradouros. Esses amantes preferem a serenidade de borrifar um romance nos passos corriqueiros da vida e permitir que o acaso os surpreenda do que o amor em grades de certezas vaidosas e inseguras.

-Amar e ouvir certas músicas dá medo. Não se sabe qual emoção transbordará para o incontrolável e nos fará sucumbir.

- Sucumbir a quê?

- Sucumbir à realidade de que somos bonecos do nosso coração, e esta é a maior alegria e o mais profundo pesar de toda alma.

- Tudo vale a pena...

- Se o coração é corajoso...

- E todo dia o sol nasce, a lua vem visitar e as estrelas desabrocham para fazer brilhar o olho de quem se dispuser a confiar...

- Confiar nos instantes, nos amantes e nas melodias...

Enquanto assoviava o pássaro negro

A nuvem clareou a visão. Peguei os restos das desconfianças e juntei tudo em uma indagação: pra quê? Há anos me esforço para colocar um tijolinho depois do outro na construção dos meus sorrisos. Descubro os mapas da verdade e sigo os caminhos onde ela deixou os mais notáveis feitos. Nunca soube entregar qualquer parte de meus bens mais preciosos sem que meu coração prescrevesse autorização ratificada. Tropecei em algumas ilusões. Percebi que de vez em quando preciso de óculos, não consigo enxergar tão longe sozinha. A energia das minhas mãos está mais poderosa, a energia dos meus pensamentos está mais lúcida e a energia do meu coração a cada dia fica mais abrangente. Minha energia amadureceu, sobrevive agora às mais cruéis maldições dos inimigos, às inseguranças mais desafiadoras e aos revezes mais surpreendentes. Alcancei isso perseguindo o ideal de me manter longe da mediocridade. O belo não se aproxima jamais do medíocre. Hoje compreendo que, mesmo que doa e seja arriscado, vale a pena comunicar o máximo de informações a meu respeito para as pessoas que me são valiosas, porque dessa forma elas facilmente se dão conta do meu estado humano, imperfeito e potencialmente divino. Faz bem confiar na pureza e na honestidade das essências amorosas que constituem nossa personalidade fluidica.

Há momentos cabisbaixos que corroem a música das minhas idéias. Aceitar a lama que insiste em se fazer presente na realidade exige que eu não pare de colocar combustível na máquina de acreditar na justiça da vida. Já fui testada além dos limites imagináveis. Já tive que aprender a respeitar minha sabedoria com as lágrimas mais desesperadas e doloridas que o corpo é capaz de produzir. Já fui tratada sem pudores por quem carregava nas mãos os presentes mais carinhosos que ofereci. Já pedi perdão consciente de que a minha derrota fora apenas uma boa intenção malograda. Já perdi riquezas insubstituíveis.

Nada me consola. Não suporto emplastos. Odeio venenos adocicados com ingredientes da vaidade. Foco meu coração na claridade que meu amor irradia e equilibro meus pensamentos com a ingenuidade dos anjos.

Minha pele deixa à mostra veias transportando oxigênio para todas as células do meu organismo com a única finalidade de me permitir viver. O tempo do coração não admite pausas. Preciso respirar honrando meus olhos abertos.

Não estou sozinha. Desenhei escolhas e alianças. Sei perfeitamente o que quero e o que proporciono a cada uma dessas companhias. Preciso sempre elucidar minha gratidão e manter a vista atenta para avaliar quantos passos ainda devemos dar com os braços entrelaçados.

Só o acaso é injustificável, e esta é a maior infelicidade dos sonhadores mais devotos e românticos. Se há que existir um alicerce para as atitudes, que seja ele o resultado recorrente das infinitas equações formuladas pelo desejo de evoluir.

Saturday, April 01, 2006

Grão de Amor

Arnaldo Antunes


Me deixe sim
Mas só se for
Pra ir ali
E pra voltar

Me deixe sim
Meu grão de amor
Mas nunca deixe
De me amar

Agora as noites são tão longas
No escuro eu penso em te encontrar
Me deixe só
Até a hora de voltar

Me esqueça sim
Pra não sofrer
Pra não chorar
Pra não sentir

Me esqueça sim
Que eu quero ver
Você tentar
Sem conseguir

A cama agora está tão fria
Ainda sinto seu calor
Me esqueça sim
Mas nunca esqueça o meu amor

É só você que vem
No meu cantar meu bem
É só pensar que vem
Lá ra ra rá

Me cobre mil telefonemas
Depois me cubra de paixão
Me pegue bem
Misture alma e coração