Thursday, December 28, 2006

De aqui para lá

A tinta nas unhas
descascadas até a metade
me mostra o movimento
dos dias de saudade
da terra de lá.
Os amigos
explodem no peito
e a cabeca embebeda-se
com as memórias.
Um dia eu fui feliz.
Uns dias eu fui muito feliz.
Com isso me movo e sigo.
Adelante.

O outro caminho

Ainda ontem,
levava no rosto
a inocência de
uma verdade fresca,
de projetos bem
pensados e promissores.

Neste agora, entretanto,
desnudo-me em um mar gelado
de consequências cujas causas
me estao latentes.

É tudo um
aglomerado de
resultados secos
em baixo de uma tempestade
de futuros inquietos.

Puseram-me no rosto
o pecado de duvidar.

Monday, December 11, 2006

Beijo no rosto

Eu sou a febre que o seu suor expele e que o afoga na realidade. Somos as paralelas que se cruzam no infinito. Somos um beijo no rosto de pernas entrelaçadas e encaixadas como peças de montar. Sucumbo ao ódio dos pudores flamejantes, cedo meu orgulho em troca de um pouco de nós. Derreto seus cabelos e pêlos com o fervor dos meus beijos e depois me arrependo quando vejo a poça das barreiras liquefeitas. Você é o RNA das minhas paixões, o identificador do ar puro que socorre minhas alegrias. Sempre a mesma segurança do avesso que o impede de alargar os limites e gozar imprudente. Você admite nossa casa, nossa mesa e nosso banho, mas insiste em deixar uma chave pra fora, caso tenha que me trancafiar na espera de um final feliz. Lá estou agora, despida de um destino certo, sem memórias nos bolsos e sem sua saliva pelos meus poros. Essa dança de esgrimas cegas dói mais que um punhal do seu abandono.

Você me leva até seu quarto, compartilhamos o sono e a umidade da respiração embora nos defendamos um do outro, permanecendo na jaula da tentação apenas adjacente. Se me pedissem para traduzir seus olhares, tons de voz, idiossincrazias todas, bastaria que eu puxasse, com mãos atentas, seus pedaços de dentro de mim - como uma oferenda aos seus medos de macho.

Escorrego pelos seus silêncios como uma pluma que faz cócegas e, perplexo, você se distancia por não saber a direção do cata- vento.

Dezenas de dias e de meses costuram uma história sem enredo, fatigada e teimosa ao mesmo tempo, por causa da sequência inabalável de clímax desorganizados. Dúvidas me perseguem intrigadas a respeito do calor dos seus romances, da intensidade da sua solidão multiplamente acompanhada. Em seguida, recordo-me dos seus arrepios durante singelas conversas nossas, mais penetrantes que o rasgo de qualquer útero. Sobram-me lágrimas e soluços. Restam-me a descrença e a esperança. Invado sua trajetória, estraçalhando seu controle em um ângulo perpendicular ao seu domínio. Então você me expulsa, cospe o meu perfume que sai das suas entranhas e disfarça a fusão das nossas vidas. O tempo me consola.

Busco nas razões óbvias a certeza errada. A apatia das minhas sensações é incapaz de não perceber a sua vontade e as inseguranças que embaçam seu ideal de liberdade. A lagarta oca de uma futura borboleta perfeita. Um beijo no rosto, porque da boca já estão vazando toneladas de mistura de nós - que assusta.

Friday, December 01, 2006

O primeiro beijo

Faz tanto tempo que eu, de luvas e vestido branco, fui assaltada pela sua boca e ganhei uma flor. Ato falho. Perigo com aroma de mel. Gosto de destino.

O casal

Certezas são sempre pontiagudas. Um memorial do futuro, sem autor. Você invadindo o território meu. Bebendo do meu copo. Comendo a minha comida. Mandando meu carro pra oficina. Desembrulhando a intimidade. Colocando água pra ferver para o chá de boa noite. Lavando a louça em dupla e em silêncio. Avisando da espuma que sobrou no prato. Discutindo o orçamento e a viagem de fim de ano. Sexo confortável. Casar-se por motivos de crianças e com responsabilidades de adultos. A perfeição que murmura no bom dia.

Flor de Amor

O bordado soltou o fio. Desmanchou. Do jeito que agora eu sou estranha a você e suas vontades são estranhas a mim. Correspondente de um fato-que-se-quis-e-não-se-deu. Amigos apaixonados. Brincadeira de roda com cantiga de realidade. Efeito sonoro de estalos de beijos pela metade. Pela metade. Um déja vu de um quadro de Picasso. Inércia na tensão. Quebra do movimento da intenção. Pecado puro. Uma letra depois da outra, intactas, vermelhas com amargo de café. Um cigarro fraco.

Dentro da quilometragem que distancia o tempo e aproxima o momento de encontrar a saudade nua. Longe do peito e perto do coração. Folha de hortelã sem sabor. Ausência.

Perguntas que escapam à coragem. Coragem que duvida. E mata. Machuca e sofre pedindo um trago de mansidão. O telespectador se esqueceu de que está com o controle-remoto na mão. Uma televisão ligada e sem imagem. Desencontro previsível e inaceitável. Como um purgante.

Devassidão tímida. Juízo. Astúcia imatura da razão. Vida longa ao que poderia-ser-mais. Enterrado, à espera de uma tempestade que o remexa e faça brotar. Florescer.

Fazer nascer flor de amor. Só.