Friday, May 12, 2006

00:32h

Acabei de assistir a um DVD da Elis Regina. Meu corpo e minha alma se encantaram. Depois tive que dançar para libertar um pouco a energia que queimava na semente criativa do meu espírito. Agora estou aqui sentada no sofá ao lado de uma velha orquídea lilás, cujas pétalas começaram a cair. O mais engraçado é que já faz algumas horas que senti um tremendo impulso de pegar uma caneta e anotar reflexões, mas demorou pra eu juntar coragem. Sinto tantas idéias poderosas desfilando no rastro de meus neurônios que tenho muito medo de não ser capaz de comunicá-las.

Li na canção dos últimos três dias algumas das conclusões por que buscava. Emociona-me a genialidade da vida, em me traduzir difíceis aprendizados através de momentos belos e delicados.

Desde os quatorze anos, lido com a necessidade de aprender a viver. Escrevi sobre isso naquela época, porém nem o começo de um pensamento maduro pude desenhar. Hoje não mudou muita coisa. Talvez a única diferença seja essa minha tendência suicida para me envolver ao máximo com a arte de ser uma pessoa. De resto, continuo carregando a bagagem de um perfil prematuro.

Durante essas caminhadas pelas trilhas dos dias e das noites, descobri como sorrir com o coração e como chorar o sangue do parto. Ouvi histórias de dores mal compreendidas, de calafrios mal assumidos, de desejos mal satisfeitos, de talentos mal apreciados, de amores mal expostos e de horas pessimamente aproveitadas. Todos reclamaram da minha falta de vergonha na cara para olhar pra dentro. Disseram-me que eu tenho preguiça de perceber que estou viva.

Resolvi ouvir minha respiração. Seguindo o rumo do oxigênio fui parar em lembranças minhas ao lado daqueles que amo. E um colorido mais intenso atingiu minha visão porque naquelas cenas enxergava o milagre do amor compartilhado. Isso me soa um pouco redundante e me dá a impressão de que ainda sou apenas uma jovem apaixonada. De repente, balanço com o movimento de certezas que chegam pra contar novidades. Elas me avisam que é normal ter dúvidas mesmo quando se percorre a estrada mais correta. Além disso, elas me falam da insistência das ondas do mar em alcançar a praia e me alertam para este alívio que estou sentindo em poder dizer que estou em paz.

Essa paz alcançou-me devagarzinho enquanto eu fazia minhas perguntas e observações sobre este mundo e o pão de cada dia. Litros de lágrimas e soluços deixaram mais lúcidas minhas análises e decisões. A leveza dos olhares de gratidão e o calor das palavras apaixonadas obrigaram-me a gostar de mim por uns segundos. A coreografia dos fatos e a poesia de cada pedacinho do quebra-cabeça da realidade encheram meus olhos de uma vontade louca de persistir nos meus sonhos e nas minhas verdades.

A vida me provou que confiar em nós duas – em mim e nela – faz sentido.

Quero sair do tabuleiro

Já percebeu o quanto nós jogamos? O quanto nós estabelecemos regras inconscientes, pontos marcados, dados que rolam e números a seguir? Somo ases. Sabemos jogar. Traçamos estratégias e desenvolvemos táticas infalíveis. Acima de tudo, somos talentosos. E daí?

De que maneira isso nos prejudica ou nos dá prazer? Estamos embriagados com a arte das marionetes, a dança de manipulações. Gostamos de testar o poder de palavras, de silêncios, de sumiços, de olhares e gestos, de movimentos e de omissões. Lutamos contra a realidade desorganizada e urgente. Perseguimo-nos por entre as arestas de medos e dúvidas. Fugimos como loucos do mundo dos fatos, procurando por uma cama macia na lua.

Sentimos dor, sentimos vontade, somos carentes. Nada nos faz desistir do jogo. A angústia parece nos aquecer e embalar, é a linha que nos mantém unidos. Eu sei que quando atiro minhas cartas ao vento, perco o controle. Sinto medo. Porém, ao mesmo tempo, vejo esse medo cobrir-se com as cores do poder, assim que elas o alcançam. Essa ilusão me enlouquece. Acontece também com a sua voz, com as suas letras. Eu ouço os pinos caminhando e você passando na frente, vou perdendo pontos. Passo dias dissecando sua mensagem e correndo atrás dos seus pensamentos. Recorro sempre ao passo anterior, e lá me mantenho até que exploda a hora certa.

Estou cansada. Quero poder deslizar minha mente em terra firme. Um suspiro de satisfação e não outro de conquista. Admito que não é fácil parar. Às vezes é mais forte do que eu. Jogar exercita o belo, o misterioso; é um jogo de espelhos. Embora eu tenha provas de que há muitas vantagens, preciso de um novo caminho. Nós merecemos.

Além de observar, analisar, relembrar, imaginar, programar, vamos desfrutar, conviver, deixar que os ruídos ocorram e se transformem em melodias. Vamos emudecer os nossos egos e gritar com os nossos sentimentos. Deixe-me errar, reclamar do que você fez errado. Vamos brigar, ficar de mal. Eu quero ter a chance de me reconciliar e descobrir novamente o quanto preciso de você.

Chega desse tabuleiro, de mover as peças e de agir como se estivéssemos em guerra! Logo não haverá segredos nem pudores. O que falta pra que mudemos de fase? Desisto... Olha o que estou fazendo: jogando com palavras. Preciso apenas de uma continuação.





Eu já vou embora. Só preciso de mais um gole.

Eu disse isso umas semanas atrás. Jurei pra mim mesma que estava no comando. Tinha certeza do contrário, mas convencer a si mesmo é sempre mais excitante. Continuei procurando pelo fim. Incessantemente. E nada acontecia. Eu sentia e queria sentir mais, ainda mais, queria ultrapassar aquela outra noite, queria perder o controle. E nada.

Tudo contribuiu para que eu quebrasse a minha promessa. Seu olhar chegou antes de você e já me avisou: “Vai acontecer”. Adianta negar? Dizer que eu não pretendia é pior. Foi interessante a forma como enganamos a nós mesmos. Conversamos. Fingimos como antigamente. Tocamos os nossos pontos máximos. Trouxemos de volta as pessoas que se conheciam.

E você não resistiu. Essa é a melhor parte. Você ter perdido o controle antes de mim, ou seja, eu ter controlado a sua vontade primeiro; isso não tem preço. Afundamos no momento presente, trancamos a porta do tempo e decidimos que ali estava bom. Mas eu não joguei fora o cadeado e você pediu a chave.

Até o céu teve medo de testemunhar os nossos impulsos e nos roubou as estrelas. Mas e daí? Elas já nos pertencem. Ri. Ri muito e de todas as formas. Ri de dor, de alegria, de medo e desespero; ri de vontade, ri de mentira, ri de êxtase e de saudade. Segui seus passos até em casa e o pus pra dormir. Seus olhos fechados me contaram o que eu precisava sentir. E me fizeram querer mais. Novamente, mais.

Eu havia me reencontrado e provado serem verdadeiras as minhas mais impossíveis imaginações. Talvez seja tudo uma brincadeira. Talvez isso seja apenas uma lembrança do que esquecemos. Disseram-me que a vida tatua em nossa alma cada experiência, e que cada pessoa derrama em nós um pouco da sua essência. É nisso que eu confio. No perfume que eu derramei na gente. E que você também.

Conformada? Você sabe que não. E isso o assusta. Não tente disfarçar. Eu sei mais da sua vida do que você. Eu sou parte do seu futuro, pode aproveitar o seu agora. Ele não me interessa. Eu deixo pra ela. Parecida comigo, não? Obrigada. Mas não suporto comparações, odeio pior ou melhor, sou adepta do diferente. É mais saudável. Afinal, eu sou única, e a única que pode o surpreender de repente. Ainda não é hora.

Quer saber quem é ele? Ou melhor, quem é você? Ou ele? Desculpe-me, isso é necessário. Um dia eu conto a verdade. Só mais um gole. Foram tantos e eles nem conseguiram me fazer fugir. Você se lembra. E isso basta. Sabe por quê? Porque eu já estou aí dentro. Não importa o lugar ou quando. Eu já estou misturada a você. Não estou falando de pele. Deixo isso pra ela por enquanto. Falo de tudo, de vida, de espírito e sentimento. Eu estou em você.

Um pedido. Nunca se abandone. Você é muito para continuar fingindo. Seja de verdade, de carne, osso, pensamento e coração. Não toque a mediocridade. Não se importe com as dores, elas são suas amigas. Confie. Não olhe para trás. Minta para os seus medos. Aproveite as estrelas, elas podem ficar distantes um dia. E então faremos um filme.

Uma cena sem título

Um cálice da minha vontade. Enquanto estive em desassossego, mergulhada na dúvida do possível, não precisei de nada. Horas eternas eram minutos suaves enfeitados com a purpurina da esperança. Olhei o passado. Pedi ajuda. Ali eu havia chegado, finalmente.

Caos, desespero. Afoguei-me no impulso de encontrar um sinal. Entrecortando as cenas, procurava o viés da sua face, que me traria a sabedoria. Por um instante, ultrapassei a barreira espinhosa da razão e, em prece, explodi a força de que precisava para tornar reais meus pecados.

A saudade mordia meus poros, mastigava toda noção de limite e engolia a seco o medo de abraçar a sua ausência. Decidi libertar os pudores. Corri no funil de uma ampulheta atrás de qualquer pedaço de você. A cada passo trêmulo, a cada rosto estranho estampado na fumaça do desconhecido, gritava a raiva de uma nova decepção. De costas, ereto como arbusto seco na umidade da floresta, eu enxerguei seu desenho.

Tudo o que eu queria estava a poucos passos do meu domínio. Trancafiei meu sorriso e fundi minha aflição com a surpresa radiante do seu corpo cristalizado, cheio de paixão contida e de desejo covarde. Respirei o prazer da sua companhia. Recordei-me do jogo, escolhi das cartas o curinga. Pareceu-me que haveria trégua. E num descuido ingênuo, vi sua displicência tentando mergulhar em outra boca. Fugi.

Outro final. Outra safra de verdades ácidas. Outra nuvem de desprezo cobrindo o brilho de qualquer estrela. Rodopiei no vazio solitário em que a superioridade me confortava. Trombei com sonhos e contos de fada costurados em linha pura de romances de algodão. Fiz sangrar meus joelhos em grãos metálicos sobre o chão da realidade que não me interessava. Adormeci.

Pedaços de uma desiludida em reflexão

Outro dia descobri que estava enganada. Enganei-me sobre zilhões de certezas. Parei, fiquei em silêncio, estacionei o olhar. Nada me vinha à mente. Senti um caco de vidro furar o saco cheio de angústia que tinha dentro mim. Naquele momento estava completa de um tudo simplesmente vazio. Ou incompreendido?

Não chegou a doer. Qualquer sensação desagradável seria incapaz de comunicar a pressão que eu sentia martelar meu corpo inteiro. A derrota para um adversário pode ser vantajosa. Porém a ambigüidade de vencer e perder pra si mesmo detona uma bomba, erradica aquela idiotice saudável.

Fiquei séria. Eu estava imóvel. De repente, meu choro explodiu firme, poderoso, cruel. Ah! A pele arrancada teria me deixado menos dolorida e ardente. Passaram-se alguns minutos, algumas horas, e eu sorri. O sorriso mais leve que já pude esticar na minha boca.

Parecia-me que não tinha com quem mais discutir. Não adiantava argumentar, questionar, dizer que o tempo vai esclarecer. Não havia certeza alguma, só existiu a suavidade do relógio estraçalhado, os papéis queimados, os projetos esquecidos, as fronteiras invadidas e a segurança da bússola desacreditada.

Surgiu uma dúvida estampada com letras enormes no espaço antes ocupado pelos meus pensamentos. PRA QUE SERVE TUDO ISSO? Tudo isso o quê? Esse gasto de energia em desdobrar mil e uma vontades, em batalhar e realizar idéias mortas, essa ânsia ininterrupta para atingir a velocidade da luz, sem saber brilhar.

Lembrei-me de quando era criança e demorava longos minutos para desembrulhar meus presentes, cuidava para que nada se estragasse. Não queria riscar a beleza do carinho que me tinham dado. Abrir o pacote e descobrir que ganhei algo melhor do que imaginava. Delicioso. Era hora de brincar com aquilo.

Pra que serve tudo isso? Não sei responder. Até porque não preciso mais de respostas. Eu nasci para celebrar.