Tuesday, February 20, 2007

Pra fazer um samba é preciso um bocado de tristeza

Ela brincava de jogar os dados, em busca de um futuro menos silencioso e menos incerto. Porque as lágrimas se retiveram na ansiedade de um abraço consolador. O brilho no olhar já fora descoberto pelos cientistas e agora não havia esconderijo seguro. Era uma boneca que ganhava vida em cada momento singelo que compartilhava com o rapaz. Ela, que precisava com tanta força da magia que existe longe da cidade grande, via-se em um labirinto de prédios, avenidas e infinitas outras meninas que poderiam despedaçar os seus sonhos.

Um cansaço previamente acumulado nas madrugadas no jardim, quando ela pedia aos céus o alento da piedade. A piedade lhe era seguidamente negada e ela nunca aceitou compreender o porquê. Parecia-lhe que enquanto as dúvidas assombravam-lhe o coração, os sábios e os anjos todos teimavam – mais do que ela – em lhe exigir paciência e debochar da sua insegurança.

Era como se ela tivesse, em mãos, o último tesouro e mesmo assim insistisse em perguntar quando lhe seria dada a grande fortuna. Mas ninguém podia entender o que ela queria. Porque ela nunca quis flor, nem bombons e nem aliança. Ela precisava – e isso é um querer do instinto – de paz. O que fazer, então, se a sua paz tinha nome e ombros que quando a protegiam devolviam-lhe a voz do sorriso?

Todos os dias, acordar era o mesmo desafio: vencer a saudade. Já haviam descoberto o brilho no olhar. Essa resposta química à magia invisível que poucas pessoas têm o prazer – e a dor – de receberem de Deus. Os anos, como ela, toleravam a demora do tempo e guardavam a esperança e as chaves da festa de comemoração.

Ele também não se esforçava mais para mantê-la afastada do seu tímido e desconfiado amor. Ele ainda – como antes e já – tinha medo de tirar o presente da caixa e quebrar o cristal. Estavam acostumados a sofrer enquanto a distância tentava confundi-los. Confundia-os muito, porém nunca fora esperta o bastante para fazê-los esquecer ou parar de sentir. Não havia quem entendesse, porque as respostas, às vezes, criam linguagens inéditas e cristalizadas que só alcança quem as possui em forma de memória.

Ele estava para chegar. Ela nunca o amara tanto e com tanta verdade.

Saturday, February 03, 2007

Havia uma pedra no meio do caminho

Há caminhos inúmeros, de acordo com a produção criativa de cada imaginação, e nenhum deles se propõem a nos levar a lugar algum. São cabides para os adjetivos. Depois de duas dezenas de passos discretos, abaixo-me e pego com as mãos uma pedra. Havia uma pedra no meio do caminho; mas qual a implicação desse fato?

É tudo ilusão a família fraterna e unida, a profissão útil, honesta e sedutora, o romance intenso, eterno e sem erros. São mais cruéis as ilusões que depositam expectativas de respeito e consideração em pessoas que, na primeira ou segunda oportunidade, mandam-lhe calar a boca e dizem que não lhe devem satisfações. Outra pedra.

Aceitar as costuras mal acabadas do cotidiano, o tecido que nem sempre é de boa qualidade e temos que vesti-lo diariamente; observar na vitrine o sapato novo, o carro elegante, enquanto calçamos o mesmo e velho tênis e tomamos o mesmo ônibus: a vida tem dessas coisas, dessas pedras.

Em vez da angústia de duvidar, sentir ininterruptamente a certeza. Saber quem é o homem ou a mulher da sua vida e vê-los distantes, saber qual é o seu papel e dever nesta efêmera existência mas dedilhar ainda a engrenagem dessas transformações, saber que o tempo reserva às verdades latentes uma grande manchete nos jornais e ter que dominar a ansiedade: a pedra da paciência.

Os caminhos podem ser estreitos, escorregadios, obscuros e esburacados ou suaves, pavimentados, iluminados e até ofereceram ao viajante tranqüilizadoras paisagens. Quem define o adjetivo do caminho somos nós, conforme a maneira como seguramos as pedras, lidamos com elas e aprendemos com as suas mensagens.

Antes de reclamar das pedras do seu caminho, lembre-se de que esta palavra não passa de um cabide, de um acessório, e que os adjetivos atribuídos a ela refletem a disposição, a coragem, a ética e o amor que você possui e dedica a sua vida.