Monday, March 12, 2007

Vazios

- Boa tarde, Alice.
- Boa tarde, Rogério.
Mantiveram-se os dois em pé, ao lado da porta, um olhando em direção à saída e o outro em direção à entrada.
- Disseram-me que o quadro está pronto, então, eu vim buscá-lo. – Pausa para o constrangimento e recomeço da atitude cínica – Lá em casa já temos vazios demais, quero logo pendurá-lo na parede.
- Quem lhe disse, Alice, que o quadro está pronto? – Rogério era incapaz de conter sua ironia – Ainda não me decidi se que o quadro está acabado.
- Ah, então me perdoe. Posso aguardar mais alguns dias.
- Mais alguns dias? Apenas? Por que não aguardaria mais alguns anos?
Por falta de respostas, Alice deixou fluirem essas palavras:
- Oras, mas... Pensei que tivéssemos combinado um prazo para que terminasse o quadro que eu encomendei e esse prazo era de menos de seis meses.
- Não me refiro aos acordos. Estou lhe perguntando por que não poderia esperar mais alguns anos para preencher o seu vazio.
Rogério foi até a mesa do escritório pegar o maço de cigarros. Demorou instantes até encontrar o isqueiro e, tragando o Malboro vermelho, dirigiu-se até Alice:
- Ainda não encontrou coragem para me responder?
- Desculpe, senhor. Não posso entender aonde está querendo chegar.
- O desenho da pintura que a senhorita encomendou está pronto, assim como a tinta e as cores todas em seus devidos lugares. Entretanto, não devo entregá-lo já.
- Eu trouxe o dinheiro! Sou honesta!
- Honestidade nenhuma compra coragem para preencher o vazio.

Sunday, March 04, 2007

Saudade

Um tempo que persegue em tique-taques derradeiros. Durante as manhãs, o gosto estúpido das horas diluídas por sonhos distantes e descafeinados. Quadrados que não se encaixam na rotina cíclica da espera, vendavais doces no pensamento derretido na panela das circunstâncias surpreendentes que criam um labirinto de felicidade engasgada. A libido toda compreendida em um momento apenas em que ele colocou no pulso dela a pulseira e fechou. Depois, enquanto ela acabava de se perfumar e escolher os brincos, ele lançava-lhe um olhar de posse curiosa, profética, suave e questionadora. A voz faltou a ele assim como o segundo de descontrole que ambos aguardavam para poderem se redimir de tanto medo.

Nas escolas, não ensinam os alunos quando devem se despir da covardia e enfrentar as mais delicadas decisões. Nem as estrelas ensinam, elas só suspiram e assopram faíscas que giram a roda da continuação e do recomeço. O risco permanente de as palavras atropelarem o toque e então a pele vestida ser insuficiente para manter a segurança da separação. Ele queria outros poemas e declarações reveladoras, mas ela, agora, não sabia nem podia mais reduzir a história em aglomerados de letras ou metáforas porque tudo isso já havia amadurecido e exigia que eles adubassem o amor com mais honestidade.

Seqüestros de imaginação. A toalha que o envolvia era um pedido sonoro de confiança, de paciência, de companhia. Transportaram para o tom das vozes os segredos compartilhados que garantiam a eles um novo despertar. A convivência em conta-gotas que já havia enchido o primeiro copo e agora precisava de mais espaço, mas, onde conseguir esse latifúndio?

Entender o presente a partir da desconstrução do futuro. Ganhar um prêmio é nunca mais dormir tranqüilo. As noites sempre serão um exercício de aprimoramento da perfeição e, por isso, eternamente incompletas. Até que eles se reencontrem.